[#Recuperação] Enfrentar o reflexo do espelho

30.3.20


Esta foto que coloquei foi tirada uma semana depois de ter celebrado um ano de tratamento. Estava feliz. Já sorria, já brincava, já tirava fotos tontas. Já me sentia bem. Isto foi, portanto, no final do mês de fevereiro. Depois decidi deixar de tirar fotografias de registo do meu progresso.

               Deixei, de facto, de tirar fotos até hoje. Mas (felizmente!) os meus olhos não caíram, e ainda me observo nos reflexos das montras, dos carros… também me observo quando vou tomar banho, no espelho da casa de banho, ou quando saio de casa no espelho do elevador.

               A verdade é que depois dessas fotos em que estava feliz com o que via, zanguei-me.

               Zanguei-me porque, de repente, comecei novamente a reparar em coisas que me incomodaram. Aquela saliência da barriga. Aquela flacidez no braço. Aquelas marcas de celulite nas coxas… Também notei que os meus ossos pélvicos deixaram de se notar. As minhas pernas começaram a roçar uma na outra. As minhas clavículas deixaram de estar evidentes.
Além disso, as minhas ancas tomaram formas, o meu peito ganhou volume… Penso que todas as raparigas querem precisamente que isto aconteça. Além disso, é natural – estas são as formas de um corpo feminino: curvilíneo e volumoso. Mas não se pode esperar que alguém que passou muito tempo a maltratar o seu próprio corpo e voluntariamente cortar as suas fontes nutricionais consiga aceitar de bom-grado aquilo que é natural. O meu comportamento durante muito tempo foi anti-natura e mudar comportamentos é uma tarefa muito difícil.
O curioso no meio disto tudo é que, apesar de tudo, apesar do incomodo que isto me causou, fui incapaz de activar o meu modo emagrecimento compulsivo. Não deixei de comer. Aumentei a minha actividade física até certo ponto. Mas guess what? Isso levou-me a ter mais fome (o que é natural).
Mas por sua vez, isso levou-me a ficar mais assustada, a reparar mais nas coxas, na barriga, no pneuzinho, na gordurinha… Mas ainda assim fui incapaz de diminuir a minha ingestão calórica… e também não voltei a aumentar a minha actividade física.

No fundo, atingi um equilíbrio. Resignei-me. Deixei fluir.

Por outras palavras, desisti de me preocupar. Tinha um pneu? Tinha. Apetecia-me chocolate? Comi. Senti culpa? Senti. O que fiz em relação a isso? Nada. Ajudou, e em muito, ter vindo para casa dos meus pais. Aqui estou um pouco menos livre de fazer asneiras, o que é positivo.
Claramente que esta resignação me levou a esperar que o pneuzinho se tornasse um pneuzão.
No entanto, isso não aconteceu. Ao fim dos primeiros quinze dias em que estive em casa dos meus pais, olhei-me ao espelho. Não vi pneu nenhum. Também não vi a barriga chapada, sugada, sem vida, que tinha há 1 ano e tal atrás. Vi uma barriga bonita e saudável. Olhei para a minha pele, e reparei que estava brilhante e cheia de vida. O meu cabelo estava saudável. Olhei para as minhas curvas e em vez de as lamentar, agradeci por elas existirem. Não olhei para as minhas pernas com nostalgia, mas sim com orgulho de elas estarem fortes, de ficarem bem em jeans, e de não fazerem as pessoas olhar para mim com pena.

Mas não acredito que tenha sido o meu corpo que tenha mudado. Foi sim, a minha forma de olhar para ele.

Tenho-me vindo a aperceber destas pequenas mudanças há algum tempo. A minha forma de ver, e principalmente de sentir as coisas, têm-se alterando ao longo do tempo e, isso faz-me sentir cheia de orgulho.
Estou feliz. Não porque tenho um corpo perfeito mas porque aprendi a ter uma relação equilibrada com ele. Mais que isso – aprendi a lidar com os dias em que não consigo olhar para mim com olhos bondosos. Não tenho de castigar o meu corpo quando a minha mente interpreta a realidade de forma distorcida. A isto, eu creio que se pode chamar recuperar.

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1 comentários

  1. Um post incrível, adorei a sinceridade. Coragem!

    https://livrosesaltos.wordpress.com/

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