[#Recuperação] A importância do acompanhamento certo na hora certa

18.5.20


               Pedir ajuda não é um sinal de fraqueza. Admitir que se tem um problema não torna alguém “louco”. Enfrentar problemas sozinho não é um ato de coragem. Nós não temos de carregar o mundo às costas sozinhos.

               Mas há duas variáveis que influenciam todos estas afirmações. A primeira é o tempo. É preciso tempo para se admitir que se tem um problema. Daí, a pedir ajuda também passa algum tempo, que é necessário. Até para iniciar aceitar ajuda é necessário tempo. Tempo este que depende de cada um de nós. Não importa que nos digam “Tens um problema” 50 vezes. Só quando nós assimilarmos essa realidade por nós próprios, iremos aceitar isso. E isso leva tempo.

               A segunda é empatia. Empatia daqueles que nos rodeiam, daqueles que nos ajudam. Temos de ter o apoio certo, senão de nada serve. Ser acompanhado por alguém com quem não temos qualquer afinidade pode causar estragos, e isso tem um efeito negativo de dimensão inimaginável.

               Posto isto, vou contar-vos um pouco do processo de acompanhamento médico devido ao meu distúrbio alimentar, desde que foi “identificado” até ao momento.

               O meu diagnostico de anorexia foi feito por uma ginecologista – yes, não foi uma nutricionista, nem um médico de clínica geral, nem nenhuma especialidade médica que pudesse estar relacionada com este tipo de patologias. “Como é que isto aconteceu?” perguntam vocês.

               Eu perdi a minha menstruação em 2017, mas o meu peso ainda não estava ainda critico. Depois de alguns meses de amenorreia fui a uma médica do centro de saúde que me fez fazer análises. O resultado das análises foi um pouco suspeito – as minhas hormonas da tiróide estavam mal, e o diagnostico inicial foi hipotiroidismo. Este diagnostico é um pouco irónico porque na maioria dos casos, o hipotiroidismo causa ganho de peso, e isso não me estava a acontecer.

               Não satisfeita com o diagnostico, a minha mãe sugeriu ir a uma ginecologista e foi aí que surgiram as primeiras suspeitas. Após algumas consultas com meses de intervalo e um estado permanente de amenorreia, a minha ginecologista levantou o véu e falou pela primeira vez em anorexia.
 
               Este diagnostico coincidiu com a minha ida para o Porto, no inicio de 2018, e eu achei que a minha médica estava doida porque na altura eu ainda tinha um peso aceitável (na minha cabeça) e não tinha deixado de comer (mas o exercício excessivo estava presente, mas eu não admitia). Sugeriu-me que fosse acompanhada por uma nutricionista.

               A fase seguinte foi procurar uma nutricionista enquanto estava no Porto. E de facto achei, mas de pouco ou nada serviu. Isto porque eu não admitia ainda que tinha um problema, a minha situação começou a descontrolar-se muito mais, e o pior foi que a nutricionista não percebeu o meu problema. Passou-me um plano alimentar muito básico – que na minha humilde opinião é semelhante a muitos planos que se encontram na internet – e assim se passaram 6 meses em que eu descia em vez de subir. E, para mim, não tinha qualquer problema.

               Quando regressei a Lisboa, estava muito mal. Regressei à minha ginecologista, continuei em amenorreia, e, mais uma vez, ela sublinhou que o meu problema não era ginecológico, era anorexia. Algo que eu teimava em não aceitar. Acabou por me recomendar uma médica psiquiatra especialista em comportamento alimentar – de renome, muito popular na sua área – e no Verão de 2018 fui à primeira consulta.

               Nesta altura, apesar de ainda não ter admitido que tinha um problema a 100%, já começava a considerar essa hipótese, e apesar de ter mostrado alguma resistência, acabei por ceder e dei por mim, sozinha, numa sala de espera, a tremer dos pés à cabeça, a aguardar pela consulta de comportamento alimentar.

               Aquela foi a primeira de 4 consultas. Cada uma pior que a outra. Mas antes de entrar em detalhe, importa referir que, apesar de tudo, ainda não estava completamente convencida de que tinha anorexia – que é o primeiro passo, e o mais importante, para a recuperação. Se não reconhecemos que temos um problema, não importa os recursos que temos, eles nunca farão diferença.

               Aquela médica, para mim, fez-me muito mais estrago do que me trouxe benefícios. Tratou-me com uma frieza e dureza que eu achei que era completamente desproporcional. Não houve uma única vez que eu me sentisse bem lá. Sentia-me horrível, inútil, estúpida, e principalmente, maltratada. Cheguei ao ponto de ter conversas com ela como... "Queres uma bola de mistura ou duas fatias de pão para o lanche?" e eu disse "Não pode ser alternado?" "Não! Tens de escolher e não podes mudar!". Estas regras não faziam sentido para mim. Mas a verdade é que acabei por ganhar algum peso… até que na quarta consulta não ganhei, mas sim perdi. Foi horrível. A médica questionou-me se queria mesmo ganhar peso, se não tinha nada melhor em que investir o meu dinheiro, porque estava a desperdiçar o tempo dela. Escusado será dizer que saí de lá em lágrimas.

               Foi horrível. Senti-me tão maltratada. Ninguém merecia ser tratado assim. Aquela pessoa que deveria estar a ajudar-me estava a negar-me ajuda. Literalmente expulsou-me do consultório.

               Não regressei, obviamente. Mas as coisas pioraram ainda mais. A verdade é que a combinação do factor tempo – eu ainda precisava de tempo para admitir o meu problema – com a falta de empatia – claramente aquela profissional de saúde não era a indicada para mim – causou um grande estrago.

               Felizmente, apesar de tudo, aceitei que tinha um problema. Em fevereiro de 2019 os meus pais voltaram a guiar-me e procuraram ajuda para mim. Já partilhei esta parte da história (aqui) mas a equipa que me recebeu – o meu psiquiatra, a minha psicoterapeuta, e a minha nutricionista – é fantástica! Surgiram no tempo certo, e criamos um laço muito positivo, mas acima de tudo essencial neste processo! Desta vez, no tempo certo, com as pessoas certas, as coisas seguiram na direção certa.


Para terminar…

               Esta é a minha história e todas as histórias são diferentes. No entanto, acho que a mensagem que quero transmitir é que por vezes é necessário dar tempo e encontrar os recursos que necessitamos. É claro que ambas as questões são relativas, e por vezes é necessária alguma intervenção mais drástica. Temos que ter bom senso.

               Ainda assim, se não se sentem bem com os vossos profissionais de saúde e apoios, não insistam. Procurem mais, procurem melhor, mudem, mas não desistam do tratamento, nem se subjuguem a algo que vos faz sentir pior que melhor. E sobretudo, lembrem-se que não estão sozinhos!

Também podes gostar

10 comentários

  1. Uau, que história. Admiro imenso a tua força e a forma como ultrapassaste o teu distúrbio. Infelizmente sei do que falas e concordo a 100% com este teu texto. O tempo é realmente fundamental em tudo na nossa vida. Força! És linda :)

    Beijinhos **

    https://1hundredmillionfeelings.blogs.sapo.pt/

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada minha querida. Felizmente já estou bem melhor mas infelizmente ainda não estou 100% curada. Mas tudo vai lá! Temos de ter esperança :)

      Um beijinho*

      Eliminar
  2. Que história... é preciso coragem e tempo para admitir quando algo não está bem, mas sempre há algo que nos faz "acordar" e perceber que o melhor mesmo é pedir ajuda. Força 🙏

    Um beijinho enorme **

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É mesmo dificil... mas é precisamente esse o primeiro passo, não é? :)
      Muito obrigada!

      Um beijinho*

      Eliminar
  3. Que história, muita força querida :)

    Beijinhos :*
    omundodapequeninaaa.blogspot.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada minha querida :)

      Um beijinho*

      Eliminar
  4. És uma pessoa tão espetacular... Passei por algo semelhante mas com um contexto clínico diferente. A médica menosprezava os meus sintomas, dizia que estava tudo bem quando eu não tinha qualidade de vida. Desisti dela, mudei de área de saúde e encontrei o meu milagre.

    Isto para dizer, nada é definitivo, e nem sempre temos sorte com o que nos calha na vida. Desistir nunca!

    Um grande beijinho*
    https://www.healthyfoodandme.com/

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tu é que és uma querida <3 Exactamente, não podemos desistir! Quando percebemos que não estamos no caminho certo, há sempre a possibilidade de dar a volta e escolher outro caminho!

      Fico feliz por estares bem, minha linda!

      Um beijinho *

      Eliminar
  5. Senti algo parecido com um profissional de saúde, ele me deixava muito desconfortável e quando contei sobre o que me incomodava ele apenas sorriu da situação. Me senti constransgida e nunca voltei mais voltei lá :/ Fico feliz que tenha encontrado os profissionais certos!
    Beijoss

    Primavera Agridoce ♥️♥️♥️

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Isso é terrivel... Mas a parte boa é que nós podemos decidir quando parar de ver determinados profissionais de saúde e escolher outro até encontrar alguem com quem nos sintamos bem :)

      Um beijinho e obrigada*

      Eliminar

Podes gostar de...