[#Recuperação] 21 de Fevereiro de 2020 – Um ano depois do início da re-descoberta

21.2.20


              Foi precisamente na tarde do dia a seguir a ter celebrado 25 primaveras que se iniciou aquela que foi provavelmente a maior transformação da minha vida.
Lá estava eu, com as minhas pernas (poderia dizer palitos) a tremer, à porta do consultório, acreditando piamente que não estava “assim tão doente”, muito relutante com a ideia de fazer psicoterapia e desejando não acabar a tomar comprimidos. Hoje em dia, às vezes ainda me questiono se estaria assim tão doente, mas a resposta é, sem qualquer dúvida nenhuma: Sim, estava muito doente.
Fevereiro de 2019
Lembro-me de me sentar em frente ao psiquiatra, completamente aterrorizada. Não era a primeira vez que me sentava com um psiquiatra e a primeira experiência tinha terminado com uma senhora cheia de arrogância a dizer que eu não queria ser ajudada e comigo a ser expulsa das consultas, em vez de ser ajudada, por ter perdido peso.
Esperava que aquela consulta fosse mais do mesmo: arrogância e firmeza, ultimatos… essencialmente ser mal tratada. Mas apesar da postura severa e firme, o meu médico não foi de todo arrogante. Foi frontal, sim, foi. Mas não me fez sentir mal – fez-me sentir que tinha finalmente chegado a ajuda.
Abril de 2019
Não me livrei nem da psicoterapia, nem da medicação. Apesar de estar muito mais aberta em relação a ambas as coisas, ainda continua a ser difícil para mim falar destas “ferramentas” que têm sido essenciais para recuperar quer fisicamente, quer psicologicamente.

Faz hoje, 21 de Fevereiro de 2020, um ano que se iniciou este processo.

Há um ano atrás, quando pisei aquele consultório, eu não vivia, eu sobrevivia. Eu contava todos os ossos do meu corpo e orgulhosamente conseguia cobrir o perímetro das minhas coxas entre os indicadores e polegares. Não sentia rigorosamente nada, excepto uma grande energia que, agora que penso no assunto, nem sei de onde vinha.
A hipótese de ser internada no hospital foi colocada na mesa. Disse, veemente, que não iria acontecer: estava no meu doutoramento, tinha acabado de me mudar para a minha nova casa, e odeio hospitais. Mas existia a hipótese e o doutor frisou-a bem para eu não me esquecer.

Mas não foi necessário.

Desde então tenho vindo a ser acompanhada pela minha nutricionista (que eu adoro de coração) e a minha psicoterapeuta que me tem ajudado bastante. Tenho a bengala dos meus medicamentos, é verdade, mas tudo isto me permitiu conseguir progredir em ambulatório, a viver sozinha, sem ter de deixar de fazer as minhas coisas.
Junho de 2019
Não foi (nem é) de forma alguma, um processo fácil. Ir contra todos os meus ideais, diariamente, foi um desafio de gigantes. Ver o meu peso a subir e lidar com isso não foi fácil. Ter de parar de mover o meu corpo não foi fácil. Mas acho que o desafio maior foi lidar com a minha mente e com as “vozinhas” da doença que gritavam constantemente na cabeça, ordenando-me para fazer o oposto daquilo que estava certo.
Tive algumas recaídas… confesso que ainda tenho. Tenho momentos em que tenho dificuldade de lidar com a fome extrema que muitas vezes ainda sinto, ou alturas em que tudo o que me apetece é mexer-me o mais que puder para tirar todas aquelas “calorias” de cima, mas neste momento já consigo controlar grande parte dos impulsos irracionais.

Neste momento, com mais 14kg, já estou no peso considerado saudável. Não estou, nem de perto nem de longe, curada, mas estou controlada, e sei que não irei voltar atrás.

Ouvi muitas vezes que a recuperação do peso na anorexia leva anos, mas eu consegui fazê-la em menos de um ano, o que para mim é motivo de orgulho. Mas eu não tinha tempo – com 25 (agora 26) anos, os meus ossos não se vão curar tão bem como curariam os de uma menina mais jovem. O meu corpo já não vai reagir da mesma forma que o de uma adolescente. Ainda não recuperei a menstruação, que perdi em 2017. Provavelmente terei sequelas maiores, apesar de um período de doença mais curto. E isso é algo com que terei de saber lidar.
Setembro de 2019
Ainda assim, apesar de tudo, estou grata por este percalço na minha vida. Neste ano aprendi muito mais sobre mim e sobre a vida do que nos 25 anos anteriores. Já não sou a mesma pessoa que era. Descobri-me. Encontrei-me. Cresci imenso. Ganhei conhecimentos que não iria ganhar de outra forma. Reaprendi a viver, a sentir, a sorrir – coisas que me tinha esquecido de como se faziam pois eu apenas sobrevivia, e estava absolutamente dormente a qualquer sentimento ou emoção.
Dezembro de 2019
Agora, um ano depois, consigo ver as coisas de um prisma completamente diferente e ainda bem que assim o é. Não estou curada, mas sei qual é o caminho que devo seguir para não voltar atrás, pois esta não é opção. Irei continuar a desafiar os meus medos e inseguranças, e sei que tudo vai ficar bem.
Janeiro de 2020


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5 comentários

  1. Parabéns pela bonita história, uma prova de empenho e superação. Uma guerra com muitas batalhas ganhas em que espero que continuas a triunfar. Esta doença tem desafios diários, uns mais fáceis que outros e fico muito feliz por ver a tua evolução.
    É de facto incrível o poder da nossa mente, os mistérios indecifráveis da nossa cabeça que tanto nos fazem sofrer como nos provam que temos mais valor e força do que aquilo que pensávamos.
    Obrigada pelo teu exemplo. Isto é só o começo de uma vida espetacular!

    PS: o anonimato por de trás deste comentário prende-se com o facto de também ter anorexia, no entanto, ainda não encontrei bem o meu rumo e tenho muita renitência em falar/ partilhar com pessoas aquilo porque passo todos os dia. Mas, perante este post inspirador, não podia deixar de me manifestar
    Bjs

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    1. Antes de mais queria agradecer-te imenso pelo comentário. Depois, envio-te muitas boas energias pois sei o quão difícil é lidar com isto e lamento imenso que tenhas de enfrentar esta batalha diária. Por fim, cada pessoa leva o seu tempo... não se sintas mal por não te sentires confortavel em partilhar a tua história ou a tua identidade. Eu também me senti assim, em especial com as pessoas com quem convivo dia-a-dia. Tudo leva o seu tempo - e isso não é exceção. O importante é aceitar o problema e nunca desistir de lutar para o resolver. As coisas vão evoluindo naturalmente. Acredita :) Vai tudo correr bem! Um grande beijinho e força!

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  2. Bom dia princesa 🌞uma linda história que mostra a pessoa especial que és, a guerreira🦸‍♀️ que te estás a tornar e mesmo com receios e inseguranças a meu ver já és um furacão de mulher e alguem que me sinto feliz de conhecer🤗beijocas 💋💋

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    1. Muito obrigada querida �� pelas palavras simpaticas e pela força! um grande beijinho ��

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  3. Olá Patty,

    Ando a ler a história do fim para o início, mas é só porque te conheço há pouco tempo.
    Não tenho muito para dizer, apenas "palmas", "palmas", "palmas", ...
    Obrigada por me deixares entrar assim no teu mundo!
    Parabéns pela mulher de coragem que és!

    Beijinhos
    Liliana

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