[#Reflexão] O julgamento é real para todos - basta teres um corpo

29.6.20

Quando comecei a tomar consciência que tinha um problema de magreza extrema, já tinha ouvido centenas de vezes aquele discurso do “Estar muito magra”, pela parte da minha família. No entanto, aquilo entrava por um ouvido e saia pelo outro pois não era aquilo que eu via.

Mas quando o ouvimos de alguém que não conhecemos, as palavras pesam bem mais. A primeira vez que realmente ouvi um desconhecido verbalizar que estava demasiado magra, na rua, estava a caminho de casa depois de ir ao supermercado.

Para não variar, trilhei um caminho que era bem mais longo, e completamente desnecessário, considerando o quão carregada estava (ainda hoje vou pelo caminho mais longo mas não quando estou absurdamente carregada – há hábitos que demoram a sair). Passei junto a uma lavandaria onde, à entrada, duas senhoras estavam a fumar.

Senti de imediato o olhar delas cravado em mim, baixei a cabeça – como aliás, fazia sempre quando sentia aqueles olhares – e segui o caminho em passos rápidos. Mas não fui rápida o suficiente para ouvir

“Bolas, ela é tão magra, coitada.”

Aquilo atingiu-me como um tsunami. Os olhares de pena eram constantes, mas nunca antes tinha ouvido alguém verbalizar aquilo, na rua, dirigido a mim. Achei absurdamente cruel, doloroso, mas amargamente verdadeiro. Todos os olhares que eu sentia, seguidos de um silêncio, calavam as palavras que aquela senhora disse. Mas elas estavam lá. Toda a gente que me via na rua pensava aquilo.

Pensei muitas vezes no que significava aquele “coitada”. Eu estava tão magra que podia significar muita coisa. Será que a minha imagem transparecia um cancro? Ou será que pensavam que eu era viciada em drogas? Infelizmente, eu estava doente. Felizmente não era nenhuma dessas doenças (e há que ver o lado positivo).

Aquelas palavras pesaram durante dias na minha mente. Refleti imenso sobre os julgamentos que todos nós, voluntaria ou involuntariamente, fazemos daquelas pessoas que se cruzam connosco na rua sem saber da sua história. É natureza humana fazê-lo, mas uma palavra que possa parecer banal para nós, pode ser doloroso para quem a ouve.

Foi a única vez que eu realmente ouvi alguém comentar a minha aparência na rua. E sim, eu estava muito magra. A verdade é que hoje, que já tenho o meu peso normal, é um alivio andar na rua e passar despercebida. Sair de casa e não sentir olhares cravados em mim com pena é maravilhoso.

E é nestas pequenas coisas que vou procurar força nos dias que me sinto mais em baixo. Todos estes detalhes, em conjunto, fazem com que a vida seja mais fácil e mais gratificante.

E lembra-te, as grandes coisas boas são construídas tendo por base muitas pequenas coisas :)

 


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10 comentários

  1. "Coitada"? 'Adoro' pessoas que não se metem nas suas vidas. Continuo sem perceber mesmo que não peçamos opinião de ninguém, eles dão gratuitamente... enfim

    https://blogda-joana.blogspot.com/

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    1. Acho que todos nós acabamos a fazer julgamentos, mesmo que inconscientemente ou só dentro da cabeça... Mas verbalizá-los é invadir a liberdade do outro e possívelmente magoá-lo... É por isso que subscrevo o que dizes - se ninguem pede a opinião, o melhor é estar calado.

      Um beijinho *

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  2. Olá, Patty!

    Um texto muito lúcido e consciente.

    Tu tinhas fome, mas não comias ou comias mto pouco. Tinhas apetite? Já me disseste que passaste muita fome. Bem, mas agora estás no peso normal e a tua cabecinha já te ajuda a pôr quase tudo no lugar.

    Eu olho qdo vejo uma pessoa obesa, que ocupa 2 lugares nos transportes públicos e que já mal se pode mexer. Talvez por ter estudado Psicologia dois anos, há dias meti conversa com uma mocinha bem gordinha no comboio, mas não entrei logo pelo excesso de peso. Tudo indicava que ela era estudante universitária e trazia o Código Civil na mão, bem empunhado, tal como eu andei um ano com ele, e daí nasceu a conversa. Ela está à espera de ser chamada para lhe tirarem um pouco do estômago, perder bastante peso e depois seguem-se as cirurgias estéticas.

    As pessoas precisam de aprender a não serem inconvenientes.

    Beijos e boa semana.

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    1. Olá minha querida :)

      Eu quando estava realmente doente, eu não sentia nada - seja emocionalmente ou fisicamente. Os sinais de fome e os sinais de cansaço estavam totalmente anulados no meu corpo.

      Eu diria que tanto a magreza extrema como o excesso de peso são, na maioria dos casos (não todos - pois pode ser resultado de uma patologia não mental!) de origem emocional, em que a comida é o "coping mechanism". Infelizmente as pessoas gostam de rotular essas pessoas sem considerarem o porquê delas serem assim. Eu própria só comecei a ganhar uma maior sensibilidade a estas questões depois de passar por elas, apesar de não me considerar uma pessoa que julga os outros gratuitamente.

      Muito obrigada pela partilha :)
      Um beijinho*

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  3. Olá Patty,

    Por norma, além de ler as publicações, leio também os comentários.
    Assim fiz hoje e achei necessária esta introdução porque também vou pegar no "coitada" (já mencionado pela Joana Freitas) para o meu comentário.

    Pergunto-te, e se não tivesses ouvido este "coitada"? Terias tomado consciência, naquele momento? Terias agido, no momento em que agiste, provavelmente, por causa daquele comentário infeliz?

    Vamos ver o lado positivo? - As Senhoras foram muito desagradáveis, inconvenientes, magoaram-te e não tinham esse direito mas, por outro lado, ajudaram-te!

    Esta foi uma pequena coisa (má) que ajudou a construir uma grande coisa boa!

    Beijinhos, minha linda!
    Liliana

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    1. Olá querida Liliana!

      A tua mensagem fez-me pensar... mas acho que mesmo sem a palavra "coitada" eu teria ouvido e matutado no comentário. Naquela altura estava muito alheia ao mundo lá fora mas muito atenta a qualquer comentário - ou até mesmo olhar - relativamente ao meu corpo.

      Mas sim! Trouxe coisas boas! E acredita, para mim passar por esta fase menos boa foi a maior lição da minha vida

      Um beijinho*

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  4. Gostei imenso! Todo o artigo transmite uma mensagem muito importante que precisa de ser abordada, mas o título diz mesmo tudo sem rodeios!
    Beijinhos, I'm Patrícia Silva!!

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    1. Ás vezes nem nós próprias nos apercebemos deste julgamento - principalmente quando o fazemos a nós próprias.
      Obrigada!

      Um beijinho*

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  5. Olá, adorei o texto e transmite uma mensagem que devia de ser lida por toda a gente :)

    Beijinhos :*
    omundodapequeninaaa.blogspot.com

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    1. Muito obrigada minha querida :)

      Um beijinho*

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