Luna, meu anjinho de bigodes,

Se este tempo for longo e feliz, vou ficar feliz, e vou ser a criatura mais egoísta do mundo. Se este tempo for curto e doloroso, vou ficar miserável, e tu serás a criatura mais altruísta do mundo. Se fosses humana, perguntar-me-ias porquê. Não és, mas eu respondo-te na mesma- serei eu a egoísta, pois és tu que estás a passar por todo este sofrimento e no final serei eu que vai ficar mais feliz. Serás tu a altruísta, pois vieste a este mundo para me salvar a vida, e quando o conseguiste, foste embora.

Porque tu salvaste a minha vida.

Surgiste na minha vida numa das piores alturas possíveis. A anorexia já estava cravada nos meus ossos, e mostrava-se nos meus comportamentos. Amei-te no primeiro segundo em que te vi – no carro, quando acidentalmente vi a foto que o meu pai tinha tirado de ti, que acabou por arruinar a surpresa. Eras tão pequena quando te agarrei pela primeira vez… mas tão cheia de personalidade – no primeiro dia, deixaste logo a tua marca na minha perna com as tuas unhas fininhas, e no meu coração, com o teu encanto.

Vendo agora em retrospectiva, acho que não te dei nem um terço da atenção que merecias, até porque a doença consumia a maior parte do meu tempo, da minha atenção, e anulava-me de emoções. Mas se tudo em mim estava a morrer, tu trouxeste-me vida.

Eu tinha o dever de cuidar de ti como deveria cuidar de mim, foi o que a minha mãe disse. Mas quero acreditar que cuidei melhor de ti do que de mim – mas só tu me poderás dizer. Naqueles tempos em que vivemos só as duas na nossa casa, antes do Leo chegar, acredito que tu cuidaste mais de mim do que eu cuidei de mim própria. Lembro-me muitas vezes de olhar para ti, enquanto lutava contra os meus demónios, e pensar como é que uma criatura tão perfeita podia amar incondicionalmente alguém que, no fundo, não estava a viver, estava a sobreviver. Mas a verdade é que tu não tens o julgamento que os seres humanos têm, o teu amor é puro.

Deitavas-te em cima de mim para me impedir de fazer exercício, pedias-me colo quando eu corria sem parar, e eu parava porque ter-te no colo era, e é, das melhores sensações de sempre. E quando miavas e me perseguias apenas porque querias uma festinha enquanto comias? Quantas vezes te chamei chata por causa disso? E agora dava tudo para o estar a fazer novamente.

Prometi-te que te ia proteger, mas acho que falhei na minha missão. Há coisas que estão para além do meu alcance e do meu poder. E quando te vi deitada na cama, com um olhar profundamente infeliz, quieta, a respirar com dificuldade, o meu coração partiu-se em mil pedaços porque eu não podia fazer nada. Não te podia proteger. E acabei a fugir… a empurrar as tarefas de ligar ao veterinário ou tentar dar-te comida para outras pessoas porque era incapaz de te ver daquela maneira.

Eu falhei-te. Desculpa.

Mas ainda assim, consegui passar aquela manhã contigo, antes de irmos para o hospital… estávamos as duas no quarto dos pais, com a porta fechada para os outros dois felinos não te incomodarem. Estavas deitada, inerte, e mal abrias os olhos… E eu mal conseguia ver pois os meus estavam cheios de lágrimas. Escrevi-te uma homenagem no instagram – como se isso fosse fazer alguma diferença – e decidi lê-la em voz alta para ti, pois de nada serve dizer ao mundo que gosto de ti, se não to digo a ti. Não sei se compreendeste aquilo que te quis dizer, mas a verdade é que levantaste a cabeça e olhaste para mim com os teus olhos azuis lindos enquanto falava. Foi um momento tão bonito…

Se eu pudesse estar no teu lugar, eu trocava contigo. Quero ter esperança, mas o aperto no peito e o sufoco que sinto estão a tirá-la de mim.

Quando digo que me trouxeste vida, digo-o porque me fizeste voltar a sentir emoções. Primeiro alegria e amor incondicional, mas agora dor profunda e tristeza. Mas se existe dor, também existe amor, e eu nunca na minha vida imaginei que iria criar um laço tão forte com um ser que não é da mesma espécie que eu.

Luna, eu não sei como esta história vai terminar. Minto se disser que o pior não me cruza a mente, mas o meu maior desejo é que regresses ao meu colo, e a pedir mimos, e a entrar em guerra com a Kiara, e a fazer conchinha com o Leo.

Obrigada por me teres dado o privilégio de ser a tua humana, e teres sido uma parceira fiel e incondicional para os bons e maus momentos. Hoje, amanhã, e sempre, quero que saibas que terás sempre parte de mim contigo, tal como parte de ti estará para sempre comigo.

Não me abandones….

Por favor.