[#Recuperação] Uma (não) verdade da recuperação da anorexia

14.12.20


Para quem sofre, ou sofreu, de anorexia, e em particular, quem está ativamente a recuperar de anorexia, sabe que todo este processo é feito com base em negociações entre o nosso lado saudável e o nosso lado doente.

Comemos “só mais um bocadinho”, andamos “só um bocadinho menos”, justificamos aquele hambúrguer porque “Estamos a recuperar e temos de comer”… É tudo negociável, e tudo tem que ter um porquê. Pelo menos comigo era assim.

Depois, o lado não tão bonito da recuperação – o inchaço, a má disposição, a fome extrema – requerem um esforço extra para serem tolerados. “O inchaço passa, é só parte da recuperação”, “A fome extrema é temporária, é resultado da restrição”…

Tudo é mais fácil quando temos um porquê, porque ajuda muito a racionalizar a situação e a aliviar parte do desconforto. Se percebermos porque inchamos, perdemos o medo pois sabemos que aquele inchaço não é permanente.

Se pensarmos um pouco friamente, quando já estamos comprometidos com o processo de recuperação, é o próprio processo que justifica tudo o resto – o desconforto, as alterações físicas, as alterações emocionais…

A verdade é que… isto não é assim tão verdade.

Existe um risco de colocarmos tudo sobre o chapeu da recuperação – tal como existe um risco em tudo o que se torna um pouco fundamentalista. Esta justificação é uma excelente bengala para nos ajudar a caminhar, mas não é de todo a realidade a 100%.

Porquê?

Porque no nosso dia-a-dia, na nossa vida normal livre de distúrbios alimentares, vão haver dias em que vamos inchar, dias em que vamos ter tanta fome que nos sentimos capazes de comer este mundo e outro, dias em que os nossos níveis de energia vão estar mais baixos, dias em que o nosso humor vai estar mais instável… É absolutamente normal e nada tem a ver com a recuperação.

O problema é que podemos dar por nós a experienciar estas coisas sem que elas estejam relacionadas com a recuperação. Temos de normalizar as alterações corporais porque elas acontecem todos os dias. Temos de deixar de ter medo do que o nosso corpo nos diz.

Eu confrontei-me com isto e acho que muita gente se pode identificar. Comecei a falar comigo própria, a tentar normalizar as coisas que sentia em vez de as justificar com a recuperação. É essencial que saibas escutar sem julgamentos aquilo que o teu templo – o teu corpo – te diz.

Se tens fome, tens de comer, independentemente de estares a recuperar de um distúrbio alimentar ou não.

Se comeres algo que o teu corpo digere com mais dificuldade, vais sentir-te inchada independentemente de estares a recuperar de um distúrbio alimentar ou não.

Ter menos energia, ter menos motivação, olharmos para o espelho e sentirmo-nos neutras em vez de apaixonadas pelo nosso corpo…

Tudo isto é normal.

Acredita.

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6 comentários

  1. Este texto está óptimo, é preciso agir sobre todos estes pensamentos em relação à comida. Nem todos os dias são iguais e numa mulher o próprio ciclo menstrual altere a disposição para a comida.

    Coisas de Feltro

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    1. Muito obrigada querida, e tens toda a razão. O apetite não é estático e temos de nos sintonizar com o nosso corpo e as suas necessidades :)

      Um beijinho`*

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  2. Nao sei o que é passar por isso, ate porque o meu problema sempre foi comer e não conseguir engordar, mas acredito que seja difícil e que o mais importante é o querer recuperar, saber que e um problema e a kartirdai tentar resolver.

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    1. Na verdade, o tipo de pensamentos é muito semelhante, quer seja excesso de peso quer seja baixo peso, em questões patológicas.
      Mas sim, temos de aceitar, actuar e lutar :)

      Um beijinho*

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  3. Gostei bastante do artigo, muito bom mesmo! Estou amando ler seus artigos e compartilhar com os amigos!


    Meu Blog: Tri Legal Ganhadores

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    1. Oww... Muito muito obrigada querida! :) Fico muito feliz!

      Um beijinho **

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