[#Recuperação] Admito, eu tenho um problema

24.9.18


                Penso que a parte mais difícil de resolver um problema é aceitar que se tem um problema. Confesso que todo o processo de aceitação de que algo está errado é bastante complexo e complicado, e a fase de negação tem tendência de se prolongar muito mais do que o necessário. Mas esta é a verdade: Eu tenho um problema.

(E este foi dos Posts mais difíceis que eu já escrevi)

                É engraçado que me lembro perfeitamente das ultimas vezes que me sentei à mesa e desfrutei de uma refeição sem pensar em quantas calorias estavam no prato, ou de não ter ajustado as minhas refeições todas de um dia só porque sabia que ia ter uma refeição menos saudável, ou de não considerar sequer exercício como método compensatório para aquilo que comia (O típico “Eu faço exercício para poder comer). Aliás, eu tive alturas em que o exercício físico me causava ansiedade e eu pura e simplesmente não fazia. Agora é exactamente o oposto.

                Apesar de me lembrar bem da sensação de liberdade que era fazer todas essas coisas, não consigo voltar a senti-lo. Não dá. É mais forte que eu. Quem me vê, sabe que não me privo de nada – como tudo (ou quase) com moderação, opto pela salada em vez das batatas fritas mas isso foi algo que sempre fiz e por isso não é estranho, sou capaz de comer uma refeição e de seguida lambuzar-me num gelado. Mas ninguém vê o que se passa dentro da minha cabeça.

                Eu acabei por desenvolver uma má relação com a comida e com o exercício físico. É anorexia? É ortorexia? Não sei que nome lhe dar. Acho que não me encaixo completamente em nenhuma das definições, e talvez isso tenha sido um fator que me fez levar ainda mais tempo a admitir que tinha um problema. Mas o peso na balança diz o contrario, o espelho diz o contrario, a minha cabeça tem consciência do contrario.

                Uma das coisas mais ridículas que aprendi com este problema é que não importa o conhecimento que temos, nem a consciência que temos das coisas, quando o problema está na mente. Ser racional não é solução, quando os monstros gritam mais alto que a voz da razão. Calar essas vozes… esse sim, é o maior desafio. Eu sei que tenho de comer, eu sei que tenho de parar de fazer exercício, mas demorei imenso tempo a conseguir dar o primeiro passo e tentar fazer isso. Ainda não consegui cortar o exercício completamente – Acho que nos últimos meses não tive um dia em que dissesse que fui 100% sedentária – pelo menos uma caminhada fazia e a minha aplicação do telemóvel que conta os minutos activos não contabilizou nenhum dia com menos de uma hora ativa… e isso tornou-se uma obsessão. Isso e a outra app que tinha para contar as calorias das refeições – mas esta já aboli da minha vida e do meu telemóvel, apesar de ainda ter consciência do que como.

                Acredito que a solução dos problemas está nos pequenos passos e por isso sinto-me orgulhosa de ter apagado a estupida da aplicação. Também me sinto orgulhosa de dizer que já faço menos exercícios que fazia… Tenho vergonha em admitir que cheguei a fazer 5 horas de cardio num dia, e durante bastante tempo a minha média de cardio diário eram 3 horas.

                Antes gostava de pensar que tinha controlo no meu corpo, naquilo que ingeria e naquilo que gastava. Agora sei que aquilo que ingeria e aquilo que gastava me controlavam a mim (e ainda controlam, é a verdade). Não sei como cheguei a esta situação, e estou a tentar mudá-la, mas esta luta é ridícula, é ingrata e faz-me sentir miserável de todas as maneiras possíveis e imaginarias. E o que dói mais é saber que esta batalha sem sentido está a afetar aqueles que mais me amam – a minha família. Sei que a minha mãe chora por causa disto, sei que lhe dói quando vê que consegue contar as minhas costelas ou os meus ossos dos ombros… e a mim doí-me saber que a magoo, desde o início, mas sinto-me a pior pessoa do mundo por ter continuado a arrastar esta situação tanto tempo sabendo que a magoava, tal como magoa o meu pai, os meus avós, e todos aqueles que se aperceberam da magnitude da situação antes de eu ser capaz de a ver e aceitar.

Será egoísta da minha parte fazer isto? Definitivamente.

Quero acreditar que estou a recuperar. Devagar. Lentamente. No entanto, as vozes ainda me gritam dentro da cabeça. Ainda fico irritada quando não consigo fazer os treinos que eu ponho na cabeça que tenho de fazer, ou quando não tenho controlo total sobre o que vou comer. Mas de certa forma, já começo a ver com clareza as coisas más que fui fazendo a mim própria e já vou modificando algumas coisas.

Será que irei ter uma recaída? Muito provavelmente, e vou ter de viver com isso porque a recuperação não é um processo linear – é muito mais tortuoso e cheio de subidas e descidas e eu tenho de aceitar isso. Tenho de aceitar que o meu egoísmo em relação a este problema e em relação à solução deste problema vai levar a que alguém além de mim fique magoado, infeliz e extremamente preocupado, apesar disso me matar por dentro. Mas faz parte do processo. Eu tenho de passar por isto, sofrer as consequências do meu comportamento e aprender. Porque, por muito que digam que estes comportamentos são uma doença, os comportamentos escolhem-se. Eu posso escolher ignorar as vozes e fazer aquilo que sei que é certo, e tenho de ser humilde o suficiente para admitir que decido ouvir as vozes e fazer asneiras na mesma. Mas também tenho de ser forte para as ignorar – e eu estou a tentar tanto… tanto tanto.


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